30 de março de 2014

[DDI] Espelho


Como todos os dias, ela voltava pra casa e, depois de colocar a bolsa sobre o móvel,  tirar a roupa e os saltos, ela sentava em frente ao seu espelho.
Olhava para aquele rosto, tão maquiado, montado e perfeito, os cabelos arrumados e penteados, olhava essa imagem e não se reconhecia. Neste momento começava seu ritual: retirava a maquiagem dos olhos e em seu lugar assumia as verdadeiras sombras que permeavam seu olhar cansado, as pálpebras caídas de alguém que desistiu de lutar, as olheiras que se mostravam e revelavam suas noites mal dormidas, em sua cama apenas ela e seus pesadelos. 
Retirava o corretivo e a base, e com eles se iam as mentiras que lhe contavam, que ela era feliz, que o mundo lhe pertencia, que seu futuro era promissor. A dura realidade enrijecia os músculos de sua face, ela não queria nada daquilo, como perseguir seus sonhos se ela mal os conhecia, lutar pelo que acreditava, sendo que a única coisa que lhe fazia sentido era que tudo tinha um fim. Essas eram as suas verdades. 
O batom era o próximo, e o sorriso falso saía como tinta no algodão, seus lábios uma triste linha reta sem expressão, não entendia como as pessoas acreditavam tão fortemente em seu sorriso, seu ânimo cuidadosamente forjado e seus surtos de alegria meticulosamente programados, ninguém nunca desconfiou, ninguém nunca viu. 
Desmontava seus cabelos, tirava os grampos e prendedores e eles caiam por suas costas livres das amarras em que ela mesma se prendia. Os ombros caiam, a pose se esvaia.
Ela olhava para o espelho e depois de tudo ela realmente se via, apenas ela se conhecia assim, tão pura, tão natural, tão triste. E, nesses breves momentos, ela se sentia completa. 


Daniele A. Vintecinco


DDI – Delírios, Devaneios e Insensatez - um espaço em que escrevo todos os pensamentos, delírios e devaneios que vêm a minha cabeça, o que é no mínimo uma insensatez. 

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