29 de abril de 2014

[Livro] Divórcio - Ricardo Lísias


Livro: Divórcio
Autor: Ricardo Lísias
Editora: Alfaguara
Ano: 2013
Avaliação: 4.5/5
Sinopse: Em agosto de 2011, casado há 4 meses, o narrador de Divórcio encontra acidentalmente o diário da esposa em que, entre outras coisas, ela escreve: “O Ricardo é patético, qualquer criança teria vergonha de ter um pai desse. Casei com um homem que não viveu.”. “Depois de quatro dias sem dormir, achei que tivesse morrido”, o narrador, Ricardo Lísias, desabafa. A partir de então, descreve o que chama de “seu desmoronamento” e a tentativa de compreender o que o levou ao ponto crítico. A literatura, e treinos de corrida cada vez mais intensos, servem para que alguma lucidez retorne a sua vida. Mas nem sempre é possível explicar friamente o que ocorreu, dar ordem aos sentimentos conflitantes, à dor e à obsessão, ao desejo de esquecer. É isso o que torna Divórcio um romance sem paralelos. Num fluxo emocionante, numa reconstrução ficcional da memória, o autor ultrapassa os limites da autoficção e alcança um novo terreno, em que a literatura — a literatura combativa, desafiadora — tem a última palavra.

Comentários:

Fiquei na expectativa pela leitura de "Divórcio" desde 2011, quando participei de um curso livre de contos ministrado pelo autor do livro e acompanhei, mesmo que superficialmente e à distância, os acontecimentos que deram origem ao livro.

"Divórcio" teve como inspiração a experiência vivida pelo autor naquele mesmo ano, após passar por um processo traumático de separação. E, embora autor e narrador possuam o mesmo nome e tenham passado por um processo semelhante, o que há em comum entre eles termina aí. Um é uma pessoa real. O outro é um personagem ficcional.

Ricardo Lísias põe em xeque a questão do narrador e do que é autobiográfico ou ficcional de modo perturbador, desconstruindo de modo interessante a figura do narrador como estamos acostumados a encontrar - a todo momento a incerteza e desconfiança em relação a este narrador tomaram conta de mim durante a leitura. Assim como o Bentinho em "Dom Casmurro", este narrador parcial conduz os fatos e influencia as nossas certezas e opiniões sobre o que é narrado por ele. Ao reconstruir memórias, tenta compreender o que deu de errado em seu casamento, entremeando com situações vividas por ele em outros momentos de sua vida.

Estilisticamente, o livro é impecável. Do caos vivido pelo narrador à ordem encontrada por ele com muito custo através das corridas e da literatura, reproduz de modo pungente a confusão e vulnerabilidade dele no início do romance, quando a perda da própria pele causa incômodo e sofrimento extremos, desnudando todas as suas fraquezas, inseguranças e ansiedades. Há a constante repetição de trechos, como se remoendo ideias e sentimentos a todo instante, e a todo instante buscando um novo sentido, acrescentando detalhes que ajudam a compor este grande mosaico. Cada parte do livro não é um capítulo, mas um quilômetro percorrido pelo narrador, mostrando que o livro todo é um processo de reconstrução deste "eu" em pedaços.

Conforme há o desenvolvimento do livro, somos apresentados a um narrador cada vez mais coerente, que na corrida e na literatura encontrou a sua salvação, a sua forma de manter a lucidez. Assim, ao analisar a própria produção literária no romance, este narrador acaba analisando a sua própria vida - pois um está intrinsecamente ligado ao outro. Faz parte do seu ser.

Terminei a leitura ontem e, honestamente, este livro me deu muito no que pensar. Ainda quero reler e ponderar certos aspectos que nem entraram nesta resenha (que, confesso, não está nem perto de dizer o quanto o livro é fantástico), mas que são muito válidos para a compreensão de "Divórcio". Agora é ler mais coisas do autor, que sei que vai valer a pena.


A literatura serve-me em grande parte para isso: adoro ficar remexendo a linguagem, medindo todas as possibilidades e tentando entender até onde posso ir, para no final pesar o resultado e refletir para saber se o texto realmente me expressa. É a maneira que tenho, silenciosa e discreta, de sair organizadamente da confusão que tantas vezes me assalta por dentro. Se mergulhar nos ruídos do mundo exterior, nos lugares cheios de luzes, música e gente encostando em mim, vou me machucar. - p. 37


27 de abril de 2014

[DDI] E assim terminamos...




E foi assim que nós terminamos. 

Não houve gritos, surtos ou acusações. Não rasgamos roupas nem jogamos objetos pela casa. Não procuramos culpados, mal conhecíamos o crime, mas sabíamos que ele tinha acontecido. As evidências estavam espalhadas pelos cômodos, nos porta-retratos tão antigos que nem se parecem mais com a gente, no quarto vazio esperando eternamente a chegada do seu novo membro, que por fim não veio (não estávamos prontos, nunca era o tempo certo), na cama com os travesseiros separados, na mesa vazia e no jardim abandonado. 

Não terminamos aos berros, mas sim no silêncio. Não aquela quietude acolhedora de fim de tarde, mas naquele vazio das palavras não ditas. O silêncio nos dominou aos poucos, começou pelas conversas noturnas (estávamos sempre tão cansados), depois foram os telefonemas, os almoços e os cafés da manhã, por fim nos tomou como um todo, falávamos apenas o essencial sobre contas e compras, nunca mais sobre nós mesmos. 

O fim chegou devagar, quase como as estações do ano. Não percebemos as sutis mudanças até que elas estivessem completas. As folhas das árvores ficaram amarelas e caíram e nós não vimos. Na verdade, perdemos tantas coisas. 

Não sei se poderíamos ter feito algo diferente. Como unir caminhos que se separaram tanto? Não nos reconhecemos e com isso perdemos também um pouco do que fomos para nos tornar o que somos: esses tão conhecidos estranhos um para o outro. 

E assim terminamos: suas coisas em uma caixa, as minhas em uma mala. Penso o quanto entregamos um ao outro para sairmos com tão pouco. A casa vazia ficou com a maior parte, com os sorrisos e amores, e levamos apenas o que restou. 

Engraçado o quanto pessoas antes tão íntimas agora não sabem como dizer adeus; o abraço é estranho, apertamos as mãos, isso parece tão certo e tão errado ao mesmo tempo. O peso da chave ainda no chaveiro daquela que por muito tempo foi a nossa casa oprime minha respiração, separo ela das demais e vejo que você faz o mesmo. Um sorriso triste em nossos rostos reflete os últimos pontos. 

Entro no meu carro e você no seu, como já fizemos em várias manhãs; mas dessa vez não voltaremos. Dou a última olhada no retrovisor, você já está partindo. Com isso fecho os olhos e também deixo para trás aquilo que há tanto conhecíamos como amor. 

Daniele Vintecinco





DDI – Delírios, Devaneios e Insensatez - um espaço em que escrevo todos os pensamentos, delírios e devaneios que vêm a minha cabeça, o que é no mínimo uma insensatez. 

13 de abril de 2014

[DDI] Uma mulher para casar



Uma vez me perguntaram se eu era uma mulher para casar e não soube responder diretamente. 

Não sigo comandos, não sou boa com ordens diretas, não sei responder apenas sim sem contestar. Na verdade, minha especialidade é perguntar “Por que?”, gosto das coisas claras, não sei ser apenas obediente; mas garanto que sei respeitar, e acima de respeitar você ou a relação, eu me respeito e isso é um grande passo. 

Não sei me dividir, não sei apenas mostrar meu lado bom, não consigo ser apenas uma parte; ou me terá por inteira ou não terá nada. Sou intensa, meus sentimentos possuem força e vontade, não sei me reprimir e, na verdade, não quero aprender. 

Não poderá dizer como me portar, bebo ocasionalmente e rio frequentemente, aquela risada alta e profunda, que vem do diafragma, que faz os olhos lacrimejarem, aquela que expressa o quanto nos contentamos com alguma coisa; e existe jeito melhor de rir? Falo alto quando acho necessário e também sei colocar bem os palavrões em uma conversa, isso não me torna menos mulher, mas sim mais humana. 

Não poderá me dizer o que vestir, minhas roupas não me representam mas me agradam e eu não poderia abrir mão disso, seria como abrir mão de parte de mim, da minha imagem, do como quero aparecer para o mundo. Meus decotes ou minhas calças não são uma exibição, são uma escolha que envolve apenas a mim e não o que os outros irão pensar. 

Não poderá me dizer aonde ir; a desculpa de que sou mulher não é uma boa justificativa, vou aonde meus pés e minha mente acharem melhor. Posso te amar, mas sei cuidar de mim, sempre o fiz. 

Não poderá me dizer o que ser, sou um ser formado; acima de mulher, adulta ou qualquer outro adjetivo, sou uma identidade, construída de momentos, lágrimas, sorrisos, tombos e aprendizados, muitos dos quais você não estava presente ou ignora. Tudo isso pertence a mim e não está aberto para alteração. 

Uma vez me perguntaram se eu era uma mulher para casar; hoje sei a resposta e digo que tudo depende de “com qual tipo de mulher você quer casar?”

Daniele A. Vintecinco

DDI – Delírios, Devaneios e Insensatez - um espaço em que escrevo todos os pensamentos, delírios e devaneios que vêm a minha cabeça, o que é no mínimo uma insensatez. 

5 de abril de 2014

[Livro] Extraordinário - R.J. Palacio



Livro: Extraordinário
Titulo Original: Wonder
Autor: R.J. Palacio
Editora: Intrínseca
Ano: 2013
Avaliação: 5/5
Sinopse:August Pullman, o Auggie, nasceu com uma síndrome genética cuja sequela é uma severa deformidade facial, que lhe impôs diversas cirurgias e complicações médicas. Por isso ele nunca frequentou uma escola de verdade... até agora. Todo mundo sabe que é difícil ser um aluno novo, mais ainda quando se tem um rosto tão diferente. Prestes a começar o quinto ano em um colégio particular de Nova York, Auggie tem uma missão nada fácil pela frente: convencer os colegas de que, apesar da aparência incomum, ele é um menino igual a todos os outros.
Narrado da perspectiva de Auggie e também de seus familiares e amigos, com momentos comoventes e outros descontraídos, Extraordinário consegue captar o impacto que um menino pode causar na vida e no comportamento de todos, família, amigos e comunidade - um impacto forte, comovente e, sem dúvida nenhuma, extraordinariamente positivo, que vai tocar todo tipo de leitor. (Fonte: Skoob)

Comentários: 
Fazia um bom tempo que eu queria ler esse livro, um dia na Livraria Cultura o vi em promoção então matei a vontade e, além disso, fui apresentada a uma história linda, doce e, para mim, totalmente reflexiva. 
Aqui conhecemos a história de August, ou como é conhecido Auggie, um garoto de 10 anos que possui uma grave deformidade facial. Devido a isso ele tinha sido educado em casa pela mãe, porém seus pais decidem que não podem mantê-lo em uma redoma para sempre e o matriculam em uma escola, já é complicado ver toda a descriminação que Auggie sofria antes da escola, o como as pessoas não conseguiam encará-lo ou os comentários, porém agora ele terá que enfrentar um novo desafio, conviver com outras crianças (e como o próprio livro diz, crianças podem ser cruéis) e encarar todos os comentários e desafios que se seguem. 
Essa narrativa me ganhou logo de começo, o tema é pesado e complicado, mas o ponto de vista é tão doce, começamos o livro em primeira pessoa, com o próprio August contando sobre sua vida, e sua visão da vida, sua noção da realidade, o seu amadurecimento, tudo isso me encantou, ele é tão sincero mas mesmo assim tão leve, afinal apesar de todos os seus problemas ele ainda é um garoto de 10 anos. Porém as surpresas da narrativa não param por ai, pois Palacio traz mais pontos de vista, como da irmã mais velha de Auggie, que é tão humana afinal ela ama seu irmão e entende que seus pais tenham que dedicar mais tempo a ele, mas também tem sentimentos de uma adolescente. Amigos de Auggie que sofrem simplesmente por escolherem estar do lado dele e tantas outras pessoas no seu convívio. Essa técnica trouxe tanta riqueza à história, pois foi possível ver rotina comum das pessoas e como suas vidas mudam após conhecer o garoto. 
Os personagens são outro elemento muito importante, podemos ver a família de Auggie e como eles mudaram e se adaptaram por ele, mas ainda assim podemos ver crianças amigas dele e como elas mudam e evoluem durante toda a trajetória, todos os personagens são tratados de forma única e compõem a história como um todo. Sem contar que é possível ver a evolução de todos eles, desde os pais até as crianças. 
Extraordinário é um daqueles livros com uma temática pesada, mas uma escrita e uma abordagem singelas e tão doces que fazem com que o leitor repense sua própria vida, no meu caso me fez pensar em quanto acabo reclamando de coisas que estão a minha disposição mudar e quanto eu tenho na verdade a valorizar. Realmente recomendo essa leitura.