25 de maio de 2014

[DDI] Ela e eu


Olho para ela enquanto ela me encara. Reconheço esse olhar, sinto que o guardo ainda em alguma parte de mim, porém ele foi suplantando pela moderação das realidades que me tomaram. Ela não fala, eu também não, não precisamos. O tempo nos separa, mas nossos elos são maiores que dias, meses ou anos. Eu a renego, escondo, mas não posso negar que faz parte de mim, suas atitudes me deixaram marcas, tornaram-me o que sou, moldaram meus atos, e mesmo assim nos sentimos tão distantes. 

Ela, coberta de preto, tênis, correntes na calça, lápis nos olhos e petulância na atitude apesar das dúvidas em seu olhar. Ela me olha. 

Eu, jeans e uma blusa qualquer, as roupas não ditam mais quem eu sou, o rosto lavado, o silêncio é minha atitude e meu olhar cheio de escolhas. Eu a encaro. 

Nossas mãos se tocam. Ela vê o futuro dos planos que sonhou e os caminhos que não pensou; eu vejo a inocência que perdi e o quanto a vida me moldou. 

São apenas 10 anos entre nós e isso nos diferencia; ela me encara, eu a olho, mas no fim ambas fitamos um espelho. 


DDI – Delírios, Devaneios e Insensatez - um espaço em que escrevo todos os pensamentos, delírios e devaneios que vêm a minha cabeça, o que é no mínimo uma insensatez. 

15 de maio de 2014

[Livro] Norwegian Wood - Haruki Murakami



Livro: Norwegian Wood

Título Original: Norwegian Wood 
Autor: Haruki Murakami
Editora: Alfaguara
Ano: 2008
Avaliação: 5/5
Sinopse: Em 1968, Toru Watanabe acaba de chegar a Tóquio para estudar teatro na universidade, e mora em um alojamento estudantil só para homens. Solitário, dedica seu tempo a identificar e refletir sobre as peculiaridades dos colegas. Um dia, Toru reencontra um rosto de seu passado: Naoko, antiga namorada de seu grande amigo de adolescência Kizuki antes deste cometer suicídio. Marcados por essa tragédia em comum, os dois se aproximam e constroem uma relação delicada onde a fragilidade psicológica de Naoko se torna cada vez mais visível até culminar com sua internação em um sanatório. 
Tem início então um período de grande dilema para o jovem Toru: uma encruzilhada entre o compasso de espera pela recuperação de Naoko e os encantos de uma outra vida, mais vibrante, personificada pela exuberante e liberada Midori mas também por sua relação com uma mulher mais velha, Reiko.
Ambientado em meio à turbulência política da virada dos anos 1960 para os anos 1970, Norwegian Wood, como a canção dos Beatles que lhe empresta o título, é uma balada de amor e nostalgia cuja rara beleza confirma Murakami como uma das vozes mais talentosas da ficção contemporânea. (Fonte: Objetiva)


Comentários:


Norwegian Wood é, simplesmente, um dos livros mais lindos e melancólicos que li nos últimos tempos. Estava ansiando uma leitura mais densa, que me causasse um envolvimento emocional mais profundo, e encontrei nele tudo aquilo que todos dizem sentir com a leitura de O Apanhador no Campo de Centeio e que, honestamente, não consegui achar por pura falta de sintonia com o seu protagonista.

O que me encantou no livro, antes de tudo, foi a referência óbvia aos Beatles. A canção Norwegian Wood (do álbum Rubber Soul) em si já traz uma certa carga de melancolia, um sentimento de solidão e isolamento que reverbera no texto de Murakami a todo momento. A descrição dos lugares e dos sentimentos vivenciados por seus personagens tem um quê de pungência silenciosa, quase como uma pintura, com dois temas principais que permeiam toda a sua narrativa: morte e amadurecimento, que são complementares em todas as suas nuances, de uma vivência dolorosamente intensa.

Logo no início do livro, em uma passagem que fala de um poço escondido em uma campina, Murakami já dá o tom da sua narrativa: o frágil equilíbrio entre vida e morte, alegria e depressão, constantemente presentes nas relações entre Toru e os demais personagens, em que se ter a companhia do outro pode ajudar a não se perder, não se deixar cair em um abismo profundo e sem salvação. O contraste estabelecido não é para mostrar as diferenças entre um e outro, mas sim para que se perceba que um faz parte do outro, e não uma consequência ou resultado, como dito pelo próprio protagonista: "A morte existe, não como o oposto da vida mas como parte dela."


Ao falar do amadurecimento de Toru após a morte de Kizuki, que acabou aproximando-o de Naoko, a sensação que tive a todo momento é que todas as certezas que achamos encontrar na vida adulta não existem, que continuamos tão perdidos quanto na adolescência. Toru me transmitiu essa sensação através da sua aparente indiferença, quando continua vivendo e naquela mesma rotina (mesmo sem encontrar um motivo para tal) apenas por ser o que lhe restou. Isso me causou uma impressão muito forte, porque prosseguimos seguindo um roteiro pré-estabelecido sem sabermos realmente o motivo, sendo que a única certeza de tudo é a morte. As constantes cenas de sexo no livro são um modo de estabelecer uma comunhão com os que já se foram ou para preencher o vazio que as pessoas que se foram deixaram para trás. É tudo muito intenso, muito instável, de pessoas buscando conforto para a vida, sobrevivendo a traumas tão profundos, tentando lidar com a repressão de sentimentos em um período histórico de mudanças tão significativas.


Mas Toru acaba encontrando em Midori um contraponto muito interessante. Ela é exatamente tudo o que há de mais diferente em comparação a qualquer personagem do livro. Seja pelo senso de humor, pelo comportamento ou pela filosofia de vida. Midori é uma personagem que esbanja vida, que tem lidado com uma série de problemas familiares que não a enfraqueceram, mas acrescentaram algo a ela, e que de longe é a minha personagem favorita.

A resenha toda está um pouco vaga porque é difícil falar de um livro assim sem entregar spoilers. Norwegian Wood é o típico livro em que a história em si não importa, não tendo tantas reviravoltas ou um clímax que já não se esperasse desde o seu começo. O que importa é o modo como vivenciamos a experiência de lê-lo, de nos deixarmos envolver pelos dramas e traumas de todos os seus personagens, todos tão ricos, tão profundos e tão peculiares entre si. E bateu uma depressão danada encerrar essa leitura, de tanto que acabei de apegando.



"Ninguém gosta tanto assim de solidão. Eu só não me esforço para fazer amizades. Isso só serviria para me decepcionar".


9 de maio de 2014

[Livro] As Mentiras de Locke Lamora – Scott Lynch


Livro: As Mentiras de Locke Lamora
Titulo Original: The Lies of Locke Lamora
Autor: Scott Lynch
Editora: Arqueiro
Ano: 2014
Avaliação: 4/5
Sinopse:O Espinho é uma figura lendária: um espadachim imbatível, um especialista em roubos vultosos, um fantasma que atravessa paredes. Metade da excêntrica cidade de Camorr acredita que ele seja um defensor dos pobres, enquanto o restante o considera apenas uma invencionice ridícula.
Franzino, azarado no amor e sem nenhuma habilidade com a espada, Locke Lamora é o homem por trás do fabuloso Espinho, cujas façanhas alcançaram uma fama indesejada. Ele de fato rouba dos ricos (de quem mais valeria a pena roubar?), mas os pobres não veem nem a cor do dinheiro conquistado com os golpes, que vai todo para os bolsos de Locke e de seus comparsas: os Nobres Vigaristas.
O único lar do astuto grupo é o submundo da antiquíssima Camorr, que começa a ser assolado por um misterioso assassino com poder de superar até mesmo o Espinho. Matando líderes de gangues, ele instaura uma guerra clandestina e ameaça mergulhar a cidade em um banho de sangue. Preso em uma armadilha sinistra, Locke e seus amigos terão sua lealdade e inteligência testadas ao máximo e precisarão lutar para sobreviver. (Fonte: Skoob) 

Comentários:
As Mentiras de Locke Lamora foi um livro que me lembrou muito aqueles filmes de armações e planos mirabolantes de ladrões para cometer um crime (que eu adoro).
Escolhi receber esse livro justamente por seu mote: ladrões, planos, golpes, uma entidade que aparenta ser mais esperta do que o ladrão, farsas sobre farsas (me entenderam??) uma rede de mentiras e planos sem fim e nisso Locke Lamora não me decepcionou. 
Tenho que confessar que o livro não deu muita sorte comigo, acabei iniciando a leitura em um momento não muito bom, estava lotada de trabalho e compromissos e os primeiros capítulos, que já são mais lentos, demoraram muito a engrenar, mas depois que isso aconteceu a história fluiu muito bem. 
A narrativa de Scott Lynch é bem diferente em alguns aspectos, primeiro ele criou um ambiente novo para ambientar a história, deuses e marcação de tempos próprios, religião, sistema de comércio e de hierarquias, resumindo ele baseou a trama em novos conceitos (até ai nada de inovador no gênero), mas o que muda é que o autor não se preocupa muito em explicar essas diferenças nem esse mundo, ele dá apenas uma pequena introdução de alguns aspectos como as divindades, as construções ou o comércio por eles interferirem de algum modo no decorrer das ações, mas nada além disso, o que tem um lado positivo e um negativo. O lado bom é que a história não se perde em enormes divagações e explicações sobre cada detalhe sendo que alguns deles não são importantes e a maioria pode ser entendida conforme os acontecimentos transcorrem. O lado negativo é que a imersão inicial do livro é mais complicada (outro motivo que fez com que o começo da leitura não fluísse muito para mim) até o leitor se ambientar ou se acostumar com todas as diferenças demora um pouco mais de tempo e a leitura nas primeiras páginas não é tão natural, mas sim com várias dúvidas. 
Outro diferencial da narrativa de Lynch é que ele não traz os fatos de forma linear, na verdade ele intercala eventos atuais de um Locke Lamora já crescido, famoso ladrão de Camor em meio a um grande golpe, com a história anterior a isso, a infância do personagem, a criação dos Nobres Vigaristas e seus treinamentos. Esse foi um estilo que me agradou bastante pois além de criar momentos de tensão e alívio durante a narrativa conhecemos pontos importantes do passado dos personagens e que tem relação direta com o que está acontecendo com eles. 
Os personagens são outro ponto de dualidade do livro, por um lado alguns são um pouco negligenciados e por outro são extensivamente elaborados, calma, eu explico: alguns personagens possuem sua construção rica e uma profundidade que dão todo o tom da narrativa, Locke Lamora, Capa Barsavi, Jean e mais alguns possuem sua personalidade bem traçada e trabalhada, alguns personagens que são muito interessantes não foram tão aprofundados como os irmãos Sanza, Pulga e o Aranha de Camor (e eu gostaria muito de saber mais sobre eles). E por fim, outros personagens são extensivamente citados mas nada além disso, como Sabeta (porém por ser uma série eu ainda espero saber mais sobre eles nos próximos livros). Outro ponto que me incomodou um pouco foi que o grande vilão da história demora muito a aparecer e com isso o trabalho voltado para ele foi um pouco corrido, em compensação as cenas de ação e o ritmo da leitura aumenta consideravelmente após sua revelação. Um aspecto muito forte é que o autor humaniza bem seus personagens, todos os atos possuem uma justificativa e um meio, ninguém é realmente perfeito, e isso é o que mais me encantou em Locke Lamora, ele é um grande farsante sim, mas ele também erra e é nesses momentos que mais prova sua genialidade (ou seus impulsos que levam ao desastre, depende da situação), mas que por mais esperto que seja ele não está livre de falhas e assim o quanto ele tem que improvisar e usar seu raciocínio para poder escapar dessas situações.
O autor soube muito bem formar a trama e quando menos se espera já se está tão envolvido no complexo sistema comercial de Camor, no mais complexo ainda sistema de gangues e roubos de Capa Barsavi, na parte hierárquica e principalmente nos elaborados e por muitas vezes inconsequentes planos de Locke Lamora. Fiquei surpresa com as reviravoltas e escolhas de diretrizes para a história, saliento que apesar de ser uma série a trama central tratada nesse livro começa e termina nesse único volume, deixando sim uma ponta solta, porém nada que gere raiva ou revolta mas apenas uma doce curiosidade do rumo que narrativa terá. 


1 de maio de 2014

[Filme] Ela


Título original: Her
Duração: 126 min.
Direção: Spike Jonze.
Roteiro: Spike Jonze.
Distribuidora: Sony Pictures.
Ano: 2013.
Avaliação: 5/5.
Sinopse: Em um futuro próximo na cidade de Los Angeles, Theodore Twombly é um homem complexo e emotivo que trabalha escrevendo cartas pessoais e tocantes para outras pessoas. Com o coração partido após o final de um relacionamento, ele começa a ficar intrigado com um novo e avançado sistema operacional que promete ser uma entidade intuitiva e única. Ao iniciá-lo, ele tem o prazer de conhecer "Samantha", uma voz feminina perspicaz, sensível e surpreendentemente engraçada. A medida em que as necessidades dela aumentam junto com as dele, a amizade dos dois se aprofunda em um eventual amor um pelo outro. (Fonte: Cinema em Cena)



Comentários:

"Ela", simplesmente, foi um dos filmes mais lindos que vi nos últimos tempos.

Ao acompanharmos o relacionamento que Theodore desenvolve com o sistema operacional denominado Samantha, somos presenteamos com uma forma sensível de se mostrar o desenvolvimento de sentimentos que acabamos nutrindo por alguém, sejam eles de amor, paixão ou amizade.

O interessante no filme é mostrar Theodore não como um verdadeiro outsider, alguém que tem dificuldades de se relacionar com o mundo e seja fechado e/ou solitário ao extremo. Muito pelo contrário. O protagonista é querido no seu ambiente de trabalho, tem amigos e, de certo modo, uma vida social. Mas a solidão vivida por ele após separar-se da mulher com quem esteve casado durante anos leva a essa busca por algo que talvez nem ele mesmo saiba exatamente o que é e que acaba encontrando da maneira mais diferente possível.

Ao adquirir os serviços deste novo sistema operacional dotado de uma inteligência capaz de se adequar às necessidades de seu usuário, o que vemos é o início de um relacionamento fora do comum e que, ao mesmo tempo, não difere muito do início de qualquer outro tipo relacionamento. Temos a descoberta em relação um ao outro, aquele maravilhamento por qualquer novo detalhe descoberto, e Samantha parece ter empatia o suficiente para entender as necessidades afetivas de Theodore, ela mesmo parecendo se interessar por tudo relacionado ao que é próprio do ser humano.

E em nenhum momento parece ser ridículo ou desconfortável o fato de quase acreditarmos que Samantha fosse uma pessoa real, pois Theodore se apaixona pela ideia que ele tem de Samantha, o modo como ela faz com que ele não se sinta solitário o tempo todo. Por ter alguém que o ouça e o entenda.

E, no fundo, não é isso o que tem acontecido em nossa sociedade moderna?

Passamos horas do nosso dia nas redes sociais ou nos comunicando por mensagens, sem ter um contato físico com o outro, e mesmo assim nos comovemos, rimos e choramos com este contato virtual - que nem por isso é menos real.

Sentimentos são abstratos, provocados por uma série de coisas que ninguém é capaz de racionalizar. E "Ela" mostra isso de uma forma incrível através de toda a construção do seu roteiro, da direção de arte e trilha sonora; mas, principalmente, por meio da interpretação magistral de Joaquin Phoenix e da voz de Scarlett Johansson (que dá vida a Samantha), que é capaz de comover e transmitir uma miríade de sentimentos somente através do trabalho vocal.

Filme mais que recomendado para este feriado.

Trailer do filme:



E "The Moon Song", que faz parte da sua trilha sonora - e te desafio a não se apaixonar pela voz da Karen O.: